Trigésimo Tom

Trigémeos parisienses no infinito do mundo mais pequeno de sempre.

Mudar é complicado. Nunca entendi muito bem porque é que grande parte das pessoas tenta mudar a outra grande parte das pessoas. Por vezes me incluo numa parte e outras noutra. Neste caso é indiferente, pois cheguei, recentemente, à conclusão que nem pretendo mudar ninguém e tampouco quero que me mudem (nem tentem sequer!). É complicado, é, mas insiste-se muito nisso. Todo o tipo de mudanças são complicadas. Hoje deparo-me novamente com mudanças, significativas, de vida, de casa, de cidade e muito certamente de país. Com esta ideia toda na cabeça começo a arrumar e a escolher coisas, tralhas, cá em casa. Dou por mim a pensar que afinal a minha casa não era assim tão pequena quanto parecia, apenas foi ficando ocupada com as quotidianices e dispositivos de necessidades criativas e académicas — que nunca são assim tão poucas. Nesta ginga, de cá e para lá, fui reencontrando coisas que muito provavelmente são consideradas por muito boa gente como lixo, mas para mim são vestígios da minha passagem por este mundo, lindo e louco. Mapas, bilhetes, folhas de sala, flyers, cartazes, autocolantes, cadernos e folhas soltas (aos montes), tecnologias e seus respectivos acessórios, e muitas outras coisas indefiníveis. No meio de todas estas coisas, claro está, a presença inevitável de um universo muito próprio de pessoas que me acompanharam de forma directa, ou não tanto, ao longo destes últimos anos. Delas, tenho saudades e outros sentimentos por vezes paradoxais. Namoradas, romances, amigos, bons amigos, familiares e também alguns conhecidos (com os quais nunca mais tive contacto). Como poderei eu seleccionar e eliminar estes vestígios? Se os jogar fora, não me jogarei também eu para o esquecimento? Decisões difíceis. Mudanças implicam sempre decisões difíceis, umas mais ponderadas que outras. Fico em sobressalto com estes reencontros. Fico introspectivo, melancólico e até deprimido. Decidi aliviar a alma escrevendo, pois normalmente ajuda. Mas neste caso não. Pessoalmente marca-me fortemente, talvez porque inconscientemente ainda esteja activo, o reviver daquele momento em que fui terrivelmente infelizes (como naquelas manhãs em que descobrimos que afinal estamos inevitavelmente sós  neste mundo, ou temos a sensação de termos sido atropelados por um camião). Mas quem não foi, certo? Então porque guardamos essas coisas, que activam essas memórias, perguntar-me-ão? Ao qual responderei com a maior franqueza, não faço a mínima ideia! Bom, talvez faça. Guardamos porque, por um lado só vemos essa negatividade agora, outrora essas “recordações” eram positivas, ou boas, hoje é que as sentimos de forma claramente diferente. Ou, por outro lado, porque queremos voltar àquele instante, precisamente antes de nos terem feito em oito, e curtir o que “era”. Podemos ainda apontar outra alternativa, queremos manter viva a memória dos momentos em que tropeçámos no destino e fomos parar à valeta, isto é, para que não se volte a repetir. Julgo serem todas válidas (e ainda outras) e é esse o problema do arquivo, nunca se sabe o que outros pensarão sobre aquilo que guardamos — ah, nem nós mesmos! O que sei, é que — eu sou indubitavelmente um ser recolector e coleccionador e — não queremos esquecer, não queremos (nem podemos) apagar partes da nossa história e muito menos podemos continuar infinitamente “p’rá frente” como se nada tivesse acontecido. Dói? É evidente que sim! Custa? É claro que custa. É difícil? “Se não fosse difícil não era para nós!” Falo em mudanças sem sequer saber para onde vou. No entanto tenho a clara consciência que o meu tempo aqui acabou (ou está a acabar), e que isso é o mais importante. Temos de saber temporizar bem a nossa passagem pelos lugares que habitamos, pois o risco de ficarmos presos no medo de cair é enorme. E esse mesmo medo trás consigo toda a necessidade de consolo quase impossível de satisfazer. Como se não bastasse todo o turbilhão de emoções a que se está sujeito nestas ocasiões — pois reencontramo-nos com todos aqueles bons momentos que gostávamos de voltar a vivenciar (ou pelo menos de nos sentirmos tão bem como nesse momento), ou por outro lado nos deparamos com as vezes em que nos partiram ao meio e nos deixaram aos caídos por aí —, recebi não um mas dois telefonemas vindos de outro continente onde fiquei a saber que existe uma pessoa que tem o mesmo nome que o meu (apenas um ano mais novo) e que tal facto se deve a uma homenagem a mim dedicada. O quê?! Pois…Não é apenas o nome, mas também o(s) apelido(s). Sou só eu que acho isto estranho? Talvez…O que é suposto alguém sentir, ou entender, quando lhe apresentam tamanha bizarria? Divago, adiante. Já noutros pequenos textos tentei entender-me, e questionar-me, sobre a necessidade de criar novas memórias, de conquistar outros territórios e de viver este mundo como se fosse o primeiro e último dia. Já noutras vezes expus as minhas entranhas, colocando-me a nu perante o mundo na minha maior fraqueza. E não querendo ser repetitivo, pois julgo saberem claramente do que falo, este início de ano está a ser particularmente penoso. Talvez não mais que o normal, mas depois de ser a quinta entrada num ano novo nesta cidade (onde tinha sido muito feliz até à passada temporada), acabo a deambular sozinho pelas ruas repletas de gente e insignificantemente só. No meio de tantos sentimentos trocados, de tantas memórias activadas, de tantos sonhos “conquistados” e outros “perdidos”, de tanto pó inspirado, tenho a estranha sensação de saudade deste preciso momento. Como se fosse possível  ter saudade deste momento, ou até do futuro. Talvez seja, mas não hoje.

Paris

Paris